domingo, 28 de agosto de 2022

Ana Luisa Amaral

 

A autora de textos poéticos inspirados no quotidiano e docente de literatura na Universidade do Porto, deixou-nos no passado dia 5 de agosto, mas os seus escritos vão mantê-la viva por tempo indefinido...

AMENDOINS

() descascar um poema devag

feito de amendoins, cerveja e gente.

Mas tudo me parece tão normal

e os amendoins coisas sensatas (…)

 

ENTRE AS DUAS E AS TRÊS

(…) Queria escrever do que não tem lugar:

a branca, doce e sonolenta estrada

onde espaçadas as palavras crescem,

suavizadas pelo lento sono

que devagar percorre as coisas todas

penosamente, às duas da manhã  (…)

 

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Os Mal-Amados: um retrato do Portugal do séc. XX

 

Leitura adiada há já algum tempo, entranhou-se-me sem dificuldade, com muita curiosidade pelos detalhes das narrativas e um especial prazer suscitado pela escrita muito rica, intensa, envolvente de Fernando Dacosta.

O autor explicita bem o seu propósito no repto que lança na abertura: “Não apaguem a memória”, sublinhado no encerramento: “ Retardar o esquecimento…” e, implicitamente, o próprio título do livro, Os Mal-Amados, remete para esse desiderato, dar voz a um conjunto de figuras, cuja ação e/ou pensamento merecem um lugar ao sol no acantonamento da historiografia portuguesa. Neste livro o autor revela e revela-se, através dos retratos que nos apresenta, figuras centrais de um conjunto de fragmentos organizados em 5 estações, os ciclos de vida de Portugal: Primavera, Verão, Estio, Inverno e Outono.

Desde Salazar e Caetano, passando por Cunhal, Soares, Amália, Natália Correia, Vergílio Ferreira, entre muitos outros, terminando com o singular pensador Agostinho da Silva, Fernando Dacosta percorre o séc. XX português, a partir do Estado Novo e até ao final do 1º milénio, se atentarmos na data da 1ª edição da obra. Fá-lo com a segurança e a sabedoria de quem viveu em diferentes regimes, conheceu e conviveu com pessoas influentes, de diferentes quadrantes, desenvolvendo um sentimento de pertença, melancolicamente crítica, que o identifica com esse grupo tão heterogéneo e ao mesmo tempo tão unívoco, onde predominam, naturalmente, os escritores:

 “Livro da minha disponibilidade interior (erigida com persistência e desvelo), assenta num cordão de prata que, inquebrável e quente, me liga aos idos para sempre.”


Ano de Saramago ...

 

Até Outubro, uma exposição na BNP (Biblioteca Nacional) mostra-nos quão árduo foi o ofício do Nobel para nos proporcionar textos tão meticulosamente trabalhados e tramas tão  profundamente engendradas, que são agora apreciados, criticados, escalpelizados pelos leitores.