domingo, 30 de maio de 2010

O retrato - a partir do conto de Manuel da Fonseca

No âmbito dos contratos de leitura estabelecidos na disciplina de Português, os alunos das turmas 4, 5 e 8 do 10º. ano recriaram o conto "O retrato" da autoria de Manuel da Fonseca e apresentaram oralmente os seus trabalhos na Biblioteca, promovendo uma animada sessão de leitura, que incluiu também textos em inglês sobre a mesma temática e a exposição dos retratos pessoais de alguns alunos que quiseram partilhar momentos significativos das suas memórias de infância.






Actividades deste tipo têm sido propostas por outros professores de diferentes escolas, dando resultados sempre distintos e criativos e, sobretudo, levando os alunos a conhecer melhor o universo literário deste e de outros autores da Literatura Portuguesa.

Na pesquisa que fizemos para enquadrar a iniciativa acolhida pela BE/CRE, encontrámos algumas leituras que nos pareceram bastante interessantes, como a do autor de um blog, que estabelece uma leitura cruzada de Manuel da Fonseca e Miguel Torga, ambos escritores portugueses que cultivaram diferentes géneros literários mas que a Escola associa preferencialmente ao conto. As suas descrições recriam os ambientes e os condicionamentos de um país marcado pela censura, pela resistência a um certo progresso e pelo apego às raízes, fosse em solo transmontano ou alentejano. De certa forma, as pinceladas literárias destes dois autores compõem um quadro do Portugal salazarista.

O retrato”, in O Fogo e as Cinzas

Certa manhã, meu pai ordenou-me inesperadamente:
- Diz a tua mãe que te vista o fato novo para ires tirar o retrato.Admirei-me:
- Mas hoje não é dia dos meus anos...
- Pois não. Mas lá em Beja precisam de dois retratos teus. É para te identificarem.
- Identificarem?- Sim. Para saberem que és tu e não outro.
- Não percebo - recomecei, desconfiado.
- Como podem eles supor que vai outro em meu lugar?
Daqui por diante, a conversa complicou-se de tal modo que meu pai perdeu a serenidade; gritou-me:
- Faz o que te digo, rapaz! (…)

Sou, pois, uma criança cheia de infinita amargura, especada e sem jeito, diante do olho redondo e sinistro que me vai matar.
Ferozmente, o Sr. Rodrigo analisa-me. Acima de tudo, ele é um artista que não consente que qualquer fedelho o deixe mal colocado.Quase nem respiro.
O Sr. Rodrigo avança, torce-me a cabeça com dureza, puxa-me o queixo, empurra-me a testa para trás. Recua e ordena-me brutalmente:
- Sorria com naturalidade!
Sucumbi num esgar contrafeito de choro. Mas o Sr. Rodrigo exclamou:
- Exactamente! Quieto! Olhe para aqui! Revirei os olhos, numa agonia.
-Um...! Dois...! Três! Nesse momento, tive a impressão que a casa desabava: o estuque caiu do tecto, numa chuva branca; um ruído enorme abanou as paredes - oscilei na cadeira, como se fosse cair para sempre. Ouvia-se uma correria desordenada, gritos, patadas contra o soalho, risos dementes.
-Já está! - berrou num nervosismo feroz o Sr. Rodrigo, avançando para mim. (…)

Depois, quando dei por mim, estava em Beja, sozinho, estranho no meio daquela gente, e os professores gabavam-me o juízo e a aplicação ao estudo. Foi uma alegria para meus pais. Dela não comparticipei, pois não podia esquecer os meus amigos de infância, livres e felizes, lá no largo!
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Antigamente, o Largo era o centro do mundo. Hoje é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a Vila. O vento dá nas faias e a ramaria farfalha num suave gemido, o pó redemoinha e cai sobre o chão deserto. Ninguém. A vida mudou-se para o outro lado da Vila. In " O largo" (o 1º. conto desta colectânea)
Manuel da Fonseca, no prefácio à colectânea de contos em que se integra “O retrato” explica:
« As pessoas de quem escrevo são as que houve na minha vida. Gente de família ou conhecida. Nelas me fui descobrindo e sendo eu próprio as vidas que contei. É isso eu. (…)
Do mesmo modo a paisagem é um ser vivo – tem de se reinventar: só assim será real, como na vida. (…)»

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Mário de Sá Carneiro - Autor do mês de Maio

Perfazem-se hoje 120 anos do nascimento de Mário de Sá-Carneiro, um escasso quarto de século de uma vida marcada essencialmente pela dispersão do eu no mundo: uma crise de personalidade que se traduziu numa existência que privilegiou as experiências sensoriais e as vivências extravagantes à busca de um sentido determinado para a (sua) vida.

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida

Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida... (...) in, Dispersão

A sua produção literária denota influência das correntes estéticas que marcaram a sua época: desde o decadentismo e do saudosismo do final do século XIX às correntes de vanguarda que constituem o programa do Modernismo apresentado por Fernando Pessoa, cúmplice de uma singular experimentação de vida e confidente das limitações sentidas por Mário de Sá-Carneiro para estar/continuar “Nela”, como se pode perceber pela leitura das cartas que escreve a F.P., aquando das suas permanências em Paris.

“ Paris, ano de 1912. Último Dia
Meu querido amigo,
Você vai-me perdoar. Á sua admirável carta, à sua longa carta, eu vou-lhe responder brevemente, desarticuladamente. É que no instante actual atravesso um período de «anestesiamento» que me impede de explanar ideias. Este «anestesiamento» resume-se em levar uma vida oca, inerte, humilhante – e doce contudo. (…) saio de manhã, dou longos passeios, vou aos teatros, Passo horas nos cafés. Consigo expulsar a alma. E a vida não me dói. (…) Um dia belo da minha vida foi aquele em que travei conhecimento consigo – Eu ficara conhecendo alguém – E não só uma grande alma; também um grande coração. Deixe-me dar-lhe um abraço, um desses abraços onde vai toda a nossa alma e que selam uma amizade leal e forte. (…)”
Cf. Mário de Sá-Carneiro, Correspondência com Fernando Pessoa, vol. I, edição de Teresa Sobral Cunha, 2003, p. 24

Em 16 de Fevereiro de 1916 Mário de Sá-Carneiro escreve a F. Pessoa e fala-lhe do aprofundamento da sua descrença, em tudo, deixando-lhe apenas “… A verdade nua e crua.” que se traduz no poema, que consta da missiva enviada ao amigo:

Fim
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes -
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas.
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza:
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro
... ( Mário de Sá-Carneiro)

A despedida, no dia em que pôs termo à vida, ficou registada num pedaço de papel que dobrou em quatro, desta feita mais em jeito de recado do que de missiva, e onde se podia ler simplesmente o seguinte:
«Um grande, grande adeus do seu pobre
Mario de Sá-Carneiro
Paris 26 abril 1916»



Destaca-se um poema que consideramos mais significativo e de que registamos excertos:

Quase
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minhalma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar.

sábado, 15 de maio de 2010

La Libération - Um marco do fim da 2ª Guerra Mundial

O Dia 8 de Maio assinala o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) e do jugo das potências do Eixo, nomeadamente a Alemanha, sobre os países aliados que representaram, neste contexto de política internacional, a defesa dos valores humanistas da liberdade, igualdade de direitos entre as nações e respeito pelas diferenças culturais e religiosas. Trata-se de uma comemoração que carrega o peso da memória das perdas e humilhações sofridas por ambas as partes e, passados 55 anos, foi possível reunir os representantes das potências europeias oponentes numa mesma comemoração, um gesto simbólico do reconhecimento da vontade unívoca de Paz e Harmonia, num tempo em que a Europa precisa manter-se unida em torno de um ideal comum, o da "União Europeia" assinalado, curiosamente, no dia seguinte, 9 de Maio.
A BECRE acolheu uma iniciativa da professora de Francês, Clara Botelho, que apresentou um conjunto de diapositivos onde, a par da informação científica sobre esta data que é festejada em França, expôs o seu conhecimento da experiência vivida num colégio francês onde estudou, crescendo com o sentido de preservação e culto de uma memória muito particular de alguns actores destes acontecimentos.
O interesse dos alunos convidados a assistir a esta apresentação ficou expresso na avaliação de "Muito Bom" que fizeram da sessão e é sublinhado nos comentários apresentados.