Versão I - Marta (10º. 2)
(...) E hoje, aqui estou eu, a ler um cartaz "Missing" com fotografias das minhas melhores amigas estampadas e que, por pouco, não incluiu a minha também. E agora só penso... Na noite do seu desaparecimento, o meu telemóvel tocou vezes e vezes sem conta. Seriam elas a implorar-me ajuda? Terei eu recusado oferecer ajuda às minhas amigas quando elas estavam em grandes apuros, apenas porque estava deprimida pela morte do "meu" gato? Afinal, era só um animal. A sua morte seria, em princípio, um processo normal, embora a morte consecutiva dos animais não fosse tão normal assim. (...) Uma noite, estava eu prestes a fechar a loja, quando dou de caras com a Lina. Fiquei tão radiante que nem disse nada, só conseguia abraçá-la. Ela estava com um ar frágil, estava abalada. Contou-me então que fora obrigada a entrar numa rede de prostituição, que tinha sido vítima de tráfico humano. Como era possível, em pleno século XXI, alguém ainda ser "escravizado"? (...) Os meses foram passando, e ainda hoje continuo a trabalhar na loja do senhor Ferreira e o meu amor pelos animais era agora ainda maior. Saber que graças a eles eu não estou agora a passar pelo mesmo que as minhas amigas, saber que eles me protegeram e que, de certa maneira, me "salvaram" a vida... é maravilhoso.Eles avisaram-me do pesadelo sobre o qual eu estava tão perto de embarcar. Agora só posso tentar viver a minha vida o melhor possível, mas sempre com a esperança eterna que a Ana Lúcia regresse sã e salva para que possamos ser de novo as três amigas que éramos.
(...) Levantei-me em sobressalto ao lembrar-me de um pormenor que há muito tinha esquecido: o livro do Sr. Ferreira. De Anima de seu título,estava ricamente enfeitado. A sua imagem passou então pelos meus olhos. É certo que nunca o abrira, e a estima que o seu dono lhe reservava era muito especial. Deu-me então uma enorme vontade de ir à loja procurar o misterioso livro, mas áquelas horas da noite já o Sr. Ferreira estava envolto nos seus lençóis. Foi uma noite que me pareceu passar muito devagar. Crescia-me a expectativa de poder desvendar estes acontecimentos. (...) Tirei então o livro da mochila. Facilmente me fascinei com as figuras gravadas na capa e aproveitei para ler alguns dos post-it que nela estavam colados. Eram pequenos apontamentos sobre o comportamento de alguns animais. Coisas normais como alimentação e cuidados com as raças mais caras. as primeiras páginas do livro apresentavam pinturas que se notavam bem antigas. Tinham vários animais e, entre eles, distinguia-se facilmente o Homem. (...) Durante as horas que se passaram,mergulhei num mundo onde simples cães, gatos e mesmo animais selvagens, através dos seus instintos e possíveis sinais, salvaram vidas (...) Vim a descobrir coisas extraordinárias, por vezes até retiradas do De Anima. Cães que detectam tumores, que salvam pessoas enterradas em escombros, etc. (...) Neste momento não sei onde está a Ana Lúcia ou a Lina. Não msei sequer se estão vivas.sei sim que tanto as carpas como a tartaruga, os roseicollis e o pequeno gato persa deram as suas vidas para me salvar de igual destino.Ainda me interrogo sobre o porquê de me terem salvo. Talvez a atenção que lhes dava, tudo o que lhes podia oferecer. E fico triste, triste por saber que morrer é o sinal que mais nos marca e que mais facilmente se manifesta.
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