terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Recriar poesia

No dia 12 de Dezembro de 2007, no espaço da BE/CRE, alguns alunos do 9º. ano fizeram uma leitura expressiva de poemas de autores lusófonos.

Chamei-lhe amiga

Aquela rapariga de olhar triste...
Olhei-lhe os olhos
e vi que eram como os meus.
Ilhei-lhe as mãos
e vi que eram como as minhas.
Sorriu
e vi que os dentes eram brancos como os meus.
Debrucei-me sobre a sua alma
ansioso
como quem se debruça da amurada de um navio
para ver o mar.

E vi que era imensa
e livre
como o voo das águias.
Chamei-lhe amiga.
O semblante encheu-se-lhe de súbita alegria
e respondeu-me: "amigo!"
Entre nós só havia duas diferenças:
o sexo e a cor da pele.

Vasco Cabral, A Luta é a Minha Primavera (Guiné-Bissau)


Mensagem do Terceiro Mundo

Não tenhas medo de confessar que me sugaste o sangue
e engravataste chagas no meu corpo
e me tiraste o mar do peixe e o sal do mar
e a água pura e a terra boa
e levantaste a cruz contra os meus deuses
e me calaste nas palavras que eu pensava.

(...)

Não tenhas medo, amigo, que te não odeio.
Foi essa a minha história e a tua história.
e eu sobrevivi
para construir estradas e cidades a teu lado
e inventar fábricas e Ciência,
que o mundo não pode ser feito só por ti.

Fernando Sylvan, A Voz Fagueira de Oan Timor (Timor)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

A narrativa é tão antiga como o mundo.
Escrever/ reescrever um conto é escolher uma de entre as muitas possibilidades de seleccionar e caracterizar personagens, organizar sequências de acontecimentos, situá-los no espaço e no tempo, adoptar pontos de vista.
Vendo um filme ou lendo um livro, já todos antecipámos desenlaces, imaginámos que a história acabaria de uma certa maneira.
Foi proposto aos alunos que concluíssem o conto “Uma esplanada sobre o mar” de
Vergílio Ferreira.

A rapariga estava sentada a uma mesa numa espla­nada sobre o mar. Vestia de branco e era loura, mas muito queimada do sol. Ao lado da mesa estava montado um guarda-sol giratório de pano azul que o criado veio regular, para acertar bem a sombra. O criado não perguntou nada e inclinou-se apenas e a rapariga pediu um refresco. Era a meio da tarde e o sol batia em cheio no mar, que se espelhava aqui e além em placas rebrilhantes. O céu estava muito azul e o ar era muito límpido, mas no limite do mar havia uma leve neblina e os barcos que aí passavam tinham os traços imprecisos, como se fossem feitos também de névoa. Na praia que ficava em baixo não havia quase ninguém e o mar batia em pequenas ondas na areia. A espuma era mais branca, iluminada do sol, e o ruído do mar era quase contínuo e espalhado por toda a extensão das águas. A rapariga de vez em quando olhava ao lado a porta que dava para a esplanada e depois olhava o relógio. Voltava então a olhar o mar e ficava assim sem se mover. (...).

Havia no rapaz uma notícia a dar, mas a rapariga não sabia como fazer a pergunta certa para estar certa com a resposta que queria ouvir. E de súbito disse:
_ Pediste-me para estar aqui às quatro horas. Telefonaste-me duas vezes. Vieste à praia para isso. Porque é que afinal vieste?...................

- Para te ver. Para nos vermos. Para falarmos.
(...)
- Sim. O que é que pode ser tão importante para ti que te faça ver as coisas de maneira diferente? Que te faça dizer que o vestido que já me viste tantas vezes parece mais bonito hoje? O que é que te faz passar horas a olhar para o mar e, mesmo assim, não te cansares da sua monotonia?
(...)
O mar servia agora de fuga para o olhar dos dois. Para ela, por não gostar de ser assim, agressiva, com o rapaz. Para ele, pela atrapalhação de não conseguir dizer o que o fazia estar ali em frente à rapariga. (...)
Sentaram-se os dois na areia. O sol baixava no horizonte cada vez mais veloz e eles continuavam sem trocar uma palavra. O rapaz continuava a tentar ganhar coragem e ela esperava pela notícia que ele tinha para lhe dar.
(...)
- Arranjei emprego em Inglaterra. Consegui o emprego com que sempre sonhei.
(...)
- Mesmo sabendo que vais estar longe, quero que saibas que estou feliz.
(...)
Apesar da felicidade, o silêncio instalou-se por um momento. (...)
- (...) Podes achar que te contei tudo isto tarde de mais, mas não tive coragem de fazê-lo mais cedo – justificou-se o rapaz.
- Não faz mal... Mas, assim, este momento é como este pôr-do-sol... é um “adeus”.
- O pôr-do-sol nunca é um “adeus” . É sempre um “até já”.
Sorriram os dois e ali ficaram a admirar aquele magnífico quadro: o pôr-do-sol. Estavam felizes com a felicidade um do outro e por ambos terem aprendido a valorizar o mundo que os rodeia e a vivê-lo intensamente, porque qualquer separação ou momento inesperado pode mudar tudo.







Seleccionámos alguns excertos da conclusão apresentada pela aluna:

Joana Monteiro, 10º. 5, nº. 10

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Ler Crónicas e outros textos

Empenhados, os alunos do 10º. ano deixaram-nos o eco das suas incursões pelo universo das crónicas e de outros textos.



"No zoo-ilógico"

(Mia Couto - Cronicando)

«Zoo, ainda aceito. Mas lógico, porquê? As mais das vezes é mesmo ilógico: os animais com ordem de prisão, detidos sem outra legalidade que não seja a prepotência de nossa espécie. O senhor duvida? Então venha por outros olhos visitar o parque. (...)
Comecemos pelo falcão: já viram os olhos, como são felinos? Certo seria chamar-se de falgato. (...)
O leitão pequeno: o leitinho (...) O marisco, primeiro foi ao mar. Só depois foi isco. (...)»


"O taxista de Jesus "

(José Eduardo Agualusa, Fronteiras Perdidas )

« - O amigo acredita em Deus?
A pergunta apanhou-me desprevenido. Deus? Eu estava dentro de um táxi, tinha fechado a porta e indicado o destino. Ainda pensei em sair mas o carro já corria, às curvas, por entre o trânsito transtornado de Lisboa, Assim, acomodei-me no assento, suspirei fundo e preparei-me para o pior.
- Pois olhe - continuou o homem -, eu também não acreditava. Um dia, porém, estava aqui, ao volante, olhei para trás e quem é que vi sentado, muito sentado mesmo, onde agora está vossa excelência? Nosso Senhor Jesus Cristo !...»


A Lua Pode Esperar (Gonçalo Cadilhe)

«... Por vezes, as pessoas admiram-se com os sítios por onde já passei. Exclamam: só te falta mesmo ir à Lua! Provavelmente, se somasse os quilómetros que tenho no corpo, dava, de facto, para ir à Lua e voltar. Mas penso depois: ir à Lua para quê ? (...)



"A adivinha do mercado" ( Isabel Allende, O bosque dos pigmeus)
«(...) Na manhã seguinte, o grupo da International Geographic viajou numa avioneta até à reserva natural, onde os aguardava Michael Mushaha e o safari em elefante. Alexander e Nadia ainda se encontravam sob o impacto da experiência do mercado. Alexander concluiu que o fumo do tabaco da feiticeira continha uma droga, mas isso não explicava o facto de ambos terem tido exactamente as mesmas visões. Nadia não tentou racionalizar o assunto; para ela aquela viagem horrível era uma fonte de informações, uma forma de aprender, como se aprende nos sonhos.(...)»

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Como se faz um escritor...


Retrato do artista quando jovem


Quando por volta dos oito anos de idade resolvi dedicar-me à literatura imaginava que todos os escritores sem excepção se pareciam com Sandokan Soberano da Malásia.

(meu herói de então e de agora)

quer dizer, lindíssimos, morenos, de barba, olhos verdes e um rubi na testa a meio do turbante. O facto de ser loiro, de olho azul e sem rubi preocupava-me e cheguei a pensar em esfregar o cabelo com graxa de sapatos para escurecer as melenas: ainda experimentei na franja, fiquei igualzinho a um limpa-chaminés anão, perguntaram-me

- O menino é parvo ou faz-se? (...)

cheguei à conclusão que os escritores afinal eram todos cavalheiros gordos a chuparem barquilhos, de fato de linho branco, pasmados para as toiltes da Marijú. Abandonei o plano de me tornar Sandokan e passei a comer cinco carcaças com geleia de cereja ao pequeno almoço na esperança de ganhar barriga. (...)
e eis que descubro no primeiro ano do liceu (...)

um professor de ruga atormentada na testa como se os rins da alma lhe doessem que atravessava o pátio do recreio torcido por incómodos metafísicos. Um colega mais instruído revelou-me que o professor se chamava Vergílio Ferreira e publicava livros: observei-lhe melhor as úlceras existenciais (...)

o meu pai mostrou-me o retrato de Byron e eu decidi partir no dia seguinte para a Grécia e morrer em combate a recitar versos alexandrinos. Como não tinha dinheiro que chegasse par ao avião fui de camioneta a Vila Franca onde não existia uma batalha sequer. (...)"


António Lobo Antunes, Livro de Crónicas, pp. 203-206

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

À volta das Crónicas

É já na próxima terça-feira (13 de Novembro de 2007) que vamos dar início às nossas sessões, que terão os livros e a leitura como motivo principal.

Para começar falaremos de Crónicas.

Desde a Crónica que se queria objectiva de Fernão Lopes, até à subjectividade da Crónica actual,
um longo caminho foi percorrido pelos mais diversos Autores e Leitores.


















BOAS-VINDAS

A partir de hoje temos mais um espaço para praticar o crime da leitura. Aguardem notícias.
Fátima Pinto e Lurdes Cardoso