sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Autora do mês de Novembro


"Parque dos Poetas" em Oeiras (2003)

Biografia

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto a 6 de Novembro de 1919 e faleceu em Lisboa a 2 de Julho de 2004.
Da infância aristocrática e feliz passada no Porto ficaram imagens e reminiscências que povoam, de forma explícita ou alusiva, a sua obra poética e ficcional, particularmente os contos para crianças .
Entre 1936 e 1939 frequentou o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Familiarizou-se assim com a civilização grega, que admirou profundamente e que aparece também espelhada na sua obra, seja em poemas que glosam motivos helénicos (figuras históricas, figuras mitológicas, lugares carregados de significado histórico ou mítico), seja naqueles que, de um modo mais geral, recuperam as noções clássicas de harmonia, inteireza e justiça.
A noite é uma presença muito forte no seu primeiro livro de versos e será um motivo constante em toda a obra, inclusivamente nos contos para crianças.
Em Sophia, essa vivência ora exalta a fantasmagoria e o mistério, ora se maravilha com a beleza que a noite traz consigo (sendo o adjectivo “brilhante” um dos preferidos para a qualificar), ora está ligada a um desejo de fuga ou evasão, ora permite o reencontro do eu consigo mesmo no silêncio e na solidão.
Depois do casamento, em 1946, com Francisco Sousa Tavares – advogado, jornalista e politico - , a poesia de Sophia tornou-se mais interveniente e atenta às questões sociais do seu tempo.
Paralelamente, Sophia teve uma actuação cívica relevante antes e depois do 25 de Abril, na oposição ao regime de Salazar e na defesa das liberdades: foi co-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores e, após a Revolução, deputada à Assembleia Constituinte.

Foi distinguida com o Prémio Camões em 1999, o Prémio Max Jacob de Poesia em 2001 e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana em 2003.

A extensa obra que nos legou reparte-se pelos domínios da poesia, da ficção, do conto para crianças, do ensaio, do teatro e da tradução (com magníficas versões de textos de Eurípides, Shakespeare, Claudel e Dante).

Algumas obras publicadas:

Poesia:

Dia do Mar, 1947;
Coral, Porto, 1950;
No Tempo Dividido, 1954;
Mar Novo, 1958;
O Cristo Cigano, 1961;
Livro Sexto, 1962;
O Nome das Coisas, 1977;
Navegações, 1983;
Ilhas, 1989;
Musa, 1994;
O Búzio de Cós e Outros Poemas, 1997.
Prosa:

Contos Exemplares, 1962;
Histórias da Terra e do Mar, 1984.

Contos para crianças:

A Menina do Mar, 1958;
A Fada Oriana, 1958;
A Noite de Natal, 1959;
O Cavaleiro da Dinamarca, 1964;
O Rapaz de Bronze, 1965;
A Floresta, 1968;

Apreciamos particularmente este poema da autora:

Um dia
Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Ano Vieirino na BM de Odivelas - Participação da Escola Secundária Braamcamp Freire


Em resposta ao pedido da Biblioteca Municipal de Odivelas, que pretendia organizar uma mostra de trabalhos produzidos pelos alunos das escolas do concelho, os professores de Português das turmas de 11º. ano desenvolveram com alguns dos seus alunos trabalhos relacionados com o estudo da vida e obra do Padre António Vieira, no âmbito de uma rubrica do programa que inclui o estudo dos Sermões dessa figura ímpar na história da literatura portuguesa, na abordagem ao texto argumentativo.
Apresentam-se na íntegra, por ordem alfabética das suas autoras, os trabalhos da turma 4 do 11º. ano, seleccionados para a referida exposição.

1º. texto - Alexandra Guerreiro

O inigualável talento do Padre António Vieira

Este texto expositivo-argumentativo é sobre “o génio de Vieira e o seu inigualável talento de arquitectar argumentos, explorar conceitos, trabalhar as palavras”, ou seja, é sobre toda a capacidade escrita do Padre António Vieira, e será analisado através de alguma informação sobre a sua vida e obra, nomeadamente, o “Sermão de Santo António aos Peixes”.
O Padre António Vieira foi um dos mais importantes escritores do Barroco português. Nasceu em 1608, em Lisboa, e com apenas seis anos foi para o Brasil, para a cidade da Baía, com os pais. Desde muito novo e ao longo de toda a sua vida, o Padre António Vieira foi sempre escrevendo e comunicando com outros povos, absorvendo outras culturas. Todas as suas viagens fizeram-no também viver novas experiências, de tal modo que tudo isto, e os seus estudos, fizeram-no sábio, experiente e com noção do Mundo, o que, na minha opinião, contribuiu para “o seu inigualável talento”.
A sua escrita é vista como um modelo rigoroso e lógico, e nela existe uma grande variedade de vocabulário e várias figuras de estilo, como a antítese, a conotação, a anáfora, a ironia, entre outras. Esta última é bastante utilizada no “Sermão de Santo António aos Peixes”, é o caso do seguinte excerto: “Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? Nunca pior auditório. Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam. Uma só cousa pudera desconsolar ao pregador, que é serem gente os peixes que se não há-de converter. Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase não se sente. Por esta causa não falarei hoje em Céu nem em Inferno; e assim será menos triste este sermão, do que os meus parecem aos homens, pelos encaminhar sempre à lembrança destes dois fins.”- Parte II do Sermão, linha 1 à 6. Por outras palavras, o Padre António Vieira, supostamente, estava a pregar um sermão aos peixes, mas não, indirectamente ele estava a falar para os homens. Outras das suas especialidades são os seus silogismos, isto é, os seus raciocínios lógicos.
Em suma, todos os seus argumentos, pensamentos, as suas ironias e o seu vocabulário diferenciado, único e variado, fizeram dele um “inigualável talento”, capaz de “arquitectar argumentos, explorar conceitos, trabalhar as palavras”.

2º. texto - Joana Monteiro

O Génio de Vieira

“O génio de Vieira, o seu inigualável talento de arquitectar argumentos, explorar conceitos, trabalhar as palavras.”

Ao lermos textos do Padre António Vieira como o Sermão de Santo António aos Peixes é difícil não repararmos nem ficarmos admirados com algumas características notáveis do seu discurso. Começando na boa construção e organização dos seus argumentos e de todo o seu raciocínio, passando pela exploração de conceitos e acabando na maneira como trabalha as palavras através dos recursos estilísticos, são muitos os exemplos que nos permitem afirmar e confirmar o génio de Vieira na elaboração das suas obras.
Em primeiro lugar, é de facto necessário referir que no Sermão existe sempre uma linha lógica de raciocínio que se mantém ao longo de todo o texto (veja-se como exemplo o facto de o discurso para os peixes ser feito segundo as funções do sal) e que, apoiada por articuladores de discurso, nos permite seguir as palavras do Padre. Claro que não é apenas necessário um modo de pensamento correcto para que o Sermão cumpra os seus objectivos, os argumentos bem fundamentados utilizados por Vieira são também grandes responsáveis e são muitos os exemplos de justificações de argumentos feitas através de referências bíblicas (como Jonas ou Noé, na parte II) ou outras (como Aristóteles, na mesma parte) ao longo do texto.
Também é importante mencionar a grande capacidade do Padre para usar a conotação, ou seja, utilizar as palavras para além do seu sentido literal. Aliás, todo o texto tem uma segunda intenção, porque ao falar com os peixes, por exemplo, ao louvá-los, o Padre acaba por criticar as atitudes dos homens, pois é para eles que, na verdade, é dirigido o Sermão. Assim, algumas frases críticas podem ser melhor percebidas quando pensamos no duplo sentido que podem ter.
Por último, é necessário falar dos vários recursos estilísticos presentes no texto. Por um lado, temos aqueles que mostram o seguimento da razão, permitindo mostrar dois aspectos de um mesmo assunto e organizar o discurso para que este seja melhor explicado e entendido. Como exemplos, temos a simetria (e a simetria invertida, o quiasmo) e o paralelismo, bem presentes ao longo de todo o texto (por exemplo, “Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar.”, linhas 9 a 11 da parte I) e na própria organização do Sermão e, para além destes, temos ainda a antítese (“… pesquem tanto, e que tremam tão pouco…”, linha 91 da parte III). Por outro lado, temos os recursos estilísticos mais relacionados com a expressão de emoções e destinados a captar a atenção do público e a intensificar uma ideia ou problema. Entre eles podemos referir a apóstrofe através do uso de vocativos, a utilização de expressões emotivas (“Oh!”), de repetições e de interrogações retóricas (“Que faria neste caso o ânimo generoso do grande António?”, linhas 39 e 40 da I parte).
Por todas estas razões, Vieira consegue cumprir os objectivos do Sermão: captar a atenção dos ouvintes tentando levá-los à correcção dos seus erros, e fazer uma crítica à sociedade que o rodeia e aos homens que dela fazem parte. O mais curioso é que algumas das críticas, como as paixões humanas da parte III, feitas então pelo Padre se mantêm até à sociedade actual. Talvez também por esta razão o discurso do Padre António Vieira nos surpreenda tanto e talvez também por isso o consideremos tão genial.

3º. texto - Patrícia Moreno

Uma arte admirável

Ao abordar “O génio de Vieira, o seu inigualável talento de arquitectar argumentos, explorar conceitos e trabalhar as palavras”, proponho-me debater as seguintes questões: por que será que Vieira é um génio? Por que será o seu talento de arquitectar argumentos inigualável? Como explora os conceitos e trabalha as palavras? Seguidamente vamos argumentar acerca da frase referida anteriormente e expor algumas ideias do nosso ponto de vista, respondendo às questões anteriores.
Vieira recorria naturalmente às técnicas que a Retórica organizara e reunira para fazer da sua palavra um meio eficaz de entretenimento e actuação, porém, no domínio das técnicas retóricas, Vieira não era propriamente um inovador uma vez que utilizava os processos que a escola ensinava. Por conseguinte, as técnicas eram comuns a quase todos os oradores da época. A maneira de as pôr em prática é que revela o génio de Vieira e o seu inigualável talento de arquitectar argumentos, visto que redigia sermões não só com o objectivo de instruir o auditório, agradar-lhe e comovê-lo, fazendo uma intervenção na vida política e social, mas também modificá-lo na sua conduta moral e política e criticá-lo socialmente, como podemos ver no Sermão de Santo António aos Peixes, no capítulo I, l. 54, em que há uma crítica explícita aos homens: “... já que os homens não se aproveitam...”.
Vieira era excelente na arte de tirar partido da polissemia das palavras, palavras utilizadas não só nas suas capacidades semânticas mas também na sua “materialidade fónica” e no seu “aspecto gráfico”, como defende Maria Lucília Pires. Todos estes elementos são utilizados na construção de um discurso talentoso. Com efeito, este autor também tem um talento inigualável de trabalhar as palavras utilizando-as numa variedade por vezes antitética, como por exemplo: «cegueira», «cego», «vede», «olhai». É apelando aos sentidos e à razão com insistência e com argumentos de verdade que visa convencer o auditório. Relendo o Sermão, podemos verificar na frase (parte III, ll. 34-36) “Só havia uma diferença entre Santo António e aquele peixe: que o peixe abriu a boca contra quem se lavava, e Santo António abria a boca contra os que se não queriam lavar”, que o Padre António Vieira trabalha bem as palavras ao utilizar a palavra “lavar” em dois sentidos (conotação).
Estou certa que Vieira é único a explorar conceitos de uma maneira extraordinária ao compará-los uns com os outros, utilizando argumentativamente várias vezes a simetria entre a terra e o sal, como na parte I, ll. 9-11 : “Ou porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar.”
O ritmo encantório que prende qualquer um pelos argumentos ponderados, pela riqueza e propriedade verbais, pelos paradoxos e efeitos persuasivos, tornaram a arte de Vieira admirável, de tal modo que este autor está presente nas nossas vidas hoje e para sempre.

4º. texto - Tatiana Rodrigues

O Génio de Vieira

Por que razão é António Vieira considerado um génio? Por que razão é o seu talento para arquitectar argumentos inigualável? Como é que os arquitecta? Como é a sua habilidade de explorar conceitos e trabalhar as palavras? Estas são as perguntas que eu coloco e a partir das quais irei glorificar o grandioso Padre António Vieira.
Vieira tinha um inigualável talento de arquitectar argumentos, explorar conceitos e trabalhar as palavras porque foi submetido a uma dura disciplina na escola jesuíta, onde aprendeu o domínio de técnicas retóricas de escritores clássicos como Aristóteles e Cícero. Vieira aplicava as técnicas comuns dos escritores da época, mas o modo de as pôr em prática é que revela a razão de Vieira ser considerado um génio a construir argumentos.
António Vieira estabeleceu contacto desde muito jovem com os povos indígenas, admirando os seus costumes e colocando-se a seu lado para os defender de torturas e humilhações, de tal modo que se destacou por ser o pregador das terras brasileiras e um defensor infatigável dos direitos humanos. Por isso, incansavelmente, pelejou contra a exploração e a escravização dos índios, visto que este povo trabalhava arduamente para os seus colonizadores, carregando e descarregando fardos sob os chicotes dos capatazes. Como bom retórico que era, e partindo da sua experiência como missionário, escreveu várias alegorias, tal como O Sermão de Santo António aos Peixes, onde encontramos o tema da defesa dos direitos humanos dos Índios e onde encontramos a sua admirável forma de expressão escrita.
A meu ver, neste Sermão é completamente visível o seu inigualável talento de arquitectar argumentos, o que se manifesta quando tem a coragem de criticar abertamente e satirizar os homens em “discursos engenhosos”. Concordo com o facto de o seu talento ser inigualável, único e distinto de todos os outros escritores, não só porque faz pregações morais com a finalidade de ensinar, mostrar o seu ponto de vista e tentar mudar o que está errado, mas também pela forma sublime como escreve e retrata a realidade, pelo “imprevisto da fantasia construtiva” e da caricatura (Hernâni Cidade), pela “sensação cativante da novidade” (Cândido Martins); pela forma como consegue construir argumentos de uma forma elaborada, metafórica e pela causticidade da ironia, como se pode ver numa das frases de Vieira que passo a citar: “Não só (peixes) vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário era menos mal. Se os pequenos comerem os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande.”
A sua habilidade de explorar conceitos e de trabalhar as palavras, na minha opinião, é também perceptível no mesmo Sermão quando escreve, e passo a citar: “Ou é por que o sal não salga, ou é porque a terra não se deixa salgar”. Aqui o autor estabelece uma analogia entre o conceito de sal e o pregador e entre o conceito de terra e os ouvintes, fazendo uma espécie de jogo (o conceptismo). A sua escrita é claramente dialéctica, o que dá mais ênfase à expressividade do texto, que eu admiro pela sua originalidade e efeito nos ouvintes. O facto de o autor trabalhar muitas vezes com frases curtas, que imprimem um ritmo rápido de compreensão do sermão, combinadas com muitas interrogações retóricas, que conduzem a uma entoação viva e apelativa dos seus discursos, deixam o leitor pasmado com a subtileza das críticas feitas através das metáforas e pela forma fantástica como escreve os seus sermões, ou seja, o leitor espanta-se não só pelo conteúdo como também pela forma como veicula esse conteúdo, tornando sublime a Língua Portuguesa.
Concluindo, é de louvar António Vieira pela sua perseverança como pregador e pela sua notável capacidade de escrever e argumentar. Podemos dizer, então, que o Padre António Vieira é o Sal da Terra e um dos expoentes máximos da Língua Portuguesa.