Depois de Auschwitz, outras fracturas exigiram a intervenção da
palavra poética: do Vietname ao Iraque, da Jugoslávia à Síria... Escrever poesia,
sim, mas com imensas dúvidas: que pode um poema contra as atrocidades
perpetradas por tiranos? Quando o fosso entre ricos e pobres nos faz ver que 1%
de seres humanos detém 99% das riquezas mundiais, que pode a poesia? Portugal
tem dois milhões de pobres... o fascismo continua de outra maneira: a inveja, a
diluição cultural, a alienação, a boçalidade...
MORTOS-VIVOS
E não temos palavras
para ser
Regressamos em
silêncio aos dormitórios
No olhar trazemos o
vazio
e dentro do vazio
somos carnívoros
Saímos para a noite
embriagados
O rosto que temos não
nos chega
Os olhares vítreos são
mesmo de vidro
com suas lâminas
compramos o prazer
Não temos palavras
para ver
somos corvos e chacais
e somos cobras
E um rio tumular
percorre os corpos:
o grito de Munch o rio
de lama
em peitos
tatuados em sexos
esculpidos De piercings na língua
os olhos
injectados nós somos
tubarões nós somos mortos-vivos
Damos conta do lançamento de um
livro de poesia da autoria de António Carlos Cortez, que nos toca pela força das palavras e da mensagem, tal como o quadro do pintor que ele evoca: E. Munch.
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