segunda-feira, 21 de junho de 2010

Homenagem a José Saramago

"Mais uma fonte que secou. (hoje não há mais fontes)" - diz Lurdes Cardoso (professora), em jeito de desabafo, revelando desta forma o seu pesar pelo desaparecimento físico do escritor que nos serviu de inspiração para alguns, ainda que escassos (muito menos do que o teríamos desejado), encontros de professores que decidiram partilhar leituras relacionadas com a temática abordada no último livro de José Saramago: "Caim". Sendo já tão poucos os assuntos que suscitam um debate sério e realmente participado, acreditámos ser este um tema com potencial interesse, capaz de irradiar polémica e alimentar reflexões provenientes de diversos sectores da sociedade. Porém, passado o ruidoso impacto que acompanhou o lançamento do livro, a importância do assunto cedeu à pressão da novidade e imediatismo das notícias. Outrossim, o nosso "clube de leitura", dinamizado pelo professor José Carlos Almeida não conseguiu resistir aos imperativos do tempo e às exigências de uma prestação continuada para alimentar o blog criado para o efeito, não se esfumando porém o interesse pela partilha de leituras, encetado com a discussão desta obra de Saramago de que destacamos um excerto, pouco representativo da temática nuclear mas transversal a todos os textos e, em nosso entender, manifestação da dimensão eminentemente metalínguística da sua escrita:
«Como tudo, as palavras têm os seus quês, os seus comos e os seus porquês. Algumas, solenes, interpelam-nos com ar pomposo, dando-se importância, como se estivessem destinadas a grandes coisas, e, vai-se ver, não eram mais que uma brisa leve que não conseguiria mover uma vela de moinho, outras, das comuns, das habituais,das de todos os dias, viriam a ter,afinal, consequências que ninguém se atreveria a prever, não tinham nascido para isso, e contudo abalaram o mundo.» (Caim, p. 55)

Num outro registo, sublinha-se o sentimento religioso deste homem que se afirmava ateu (ou agnóstico?) mas que reconhecia o extraordinário interesse e influênciada dimensão religiosa na constituição da matriz da sua identidade literária e pessoal.

"Tudo chega quando tem de chegar" - afirmação de uma suprema racionalidade que acompanha a con(vivência) com um quotidiano difícil e que se arrasta em riruais pouco criativos que exigem grande determinação e tenacidade para continuar em frente, detendo-se somente nos factos relevantes e prosseguindosempre no cumprimento de um dever para consigo próprio, que se assume quase como uma fé.

Retomando a opinião da colega Lurdes Cardoso: lirismo, ironia, apuradíssimo sentido crítico,cultura, sabedoria popular gosto pela transgressão - tudo isso ficou nos livros dele. E deixa-nos com uma citação de O Conto da Ilha Descolnhecida:

" Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar"

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